O passado 29 de Abril uma doninha mordeu um cabo em algum lugar da Suíça e paralisou o experimento mais grande e relevante da história da humanidade até o momento. O Colisor de Hádrons, hospedado nas instalações do CERN, tem sofrido mais de um acidente de tom estranho alguns deles justo em momentos chaves. Se os primeiros obstaculizaram a descoberta do Bóson de Higgs, este acontece justo antes de que o Colisor funcione a uma velocidade ainda maior. A repercussão da aventura da pobre doninha (parece que morreu electrocutada no acto) ocupou muitíssimas novas. Seguramente porque os animais peludos vendem mais jornais, ainda que também pelas teorias que relacionam estes eventos com uma suposta auto-regulação do universo.
O Colisor de Hádrons, também chamado por alguns meios a Máquina de Deus, começou a funcionar com profecias apocalípticas. A possibilidade de que um dos pequenos buracos negros produzidos pela máquina pudesse desenvolver-se e acabar com a existência humana preocupou a algumas pessoas, por mais que a possibilidade fosse desmentida pela maioria dos científicos. O Colisor, que trata de reproduzir o comportamento de certas partículas no momento do Big Bang, segue sob suspeita. Algumas vozes acreditam que o universo, deus, ou alguma ordem imanente é capaz de gerar eventos que obstaculizem as investigações. As razões são diversas. As mais sérias apontam à incompatibilidade da existência inteligente com essa descoberta. Outras, incluídos tipos disfarçados e blogues paranóico-conspiratórios, falam de uma acção organizada que trata de evitar um evento não desejado. Outras, a mencionada destruição do planeta. Outros mais falam de deus, se calhar não um deus com personalidade, mas sim de uma regra mestre do universo que estaríamos desquadrando de alguma forma.
Reconheço que a nível pessoal pouca coisas me entusiasmam mais que o emprego de narrativas na resolução de problemas científicos. Suspeito que o precursor disto foi Hawking, com a sua popularização do paradoxo do viajante do tempo. Pode alguém viajar cem anos atrás no tempo e assassinar à sua avó sem pôr em perigo a sua própria existência futura? Uma das soluções propostas, explorada mil e uma vezes nas obras de ciência ficção é que o universo conspirará para evitar resultados ilógicos e incoerentes. Viajarás no tempo e tratarás de matar à tua avó, mas a arma deixará de funcionar, ou algo cruzar-se-á pelo meio. O universo participa de um complô para que possas nascer e fazer a viagem no tempo. Muitos cientistas são cépticos a respeito de uma solução tão narrativa. Possivelmente o universo pode resolver isso impedindo-te viajar atrás no tempo, coisa que se calhar já faz. Pensar que o universo ou isso que alguns chamam deus tem tempo para escrever romances de ciência ficção interpretáveis a uma escala humana seria, portanto, uma nova forma de superstição.
Apesar de que as possibilidades narrativas destas ideias são apaixonantes, pessoalmente não posso deixar de pensar nos primeiros viajantes de comboio e o medo a que o ser humano não pudesse superar os setenta quilómetros por hora. Há quem menciona uma espécie de síndrome de Prometeu, de medo a descobrir o mundo, de terror a uma imagem irracional de deus que temos bem mais gravada no subconsciente do que acreditamos. Ao menos é um deus que em lugar de anjos com espadas de lume manda simpáticas doninhas. Os animais selvagens são algo frequente nos arredores do CERN. Deram problemas no passado e voltarão dá-los no futuro. Não há nada sobrenatural ou predeterminado num roedor que morde onde não deve. O Colisor voltará funcionar e ajudár-nos-ão a descobrir de onde vem a existência, transformará à realidade, também a social e política, bem mais do que hoje podemos imaginar. E as doninhas de deus voltarão ser simples roedores confundidos.