14/04/2016 by marioregueira

Caminho de Frongoch

Frongoch

O norte de Gales é a dia de hoje um dos territórios mais periféricos e pior comunicados da ilha de Grã-Bretanha. Há cem anos devia sê-lo ainda mais, e sem dúvida por isso foi o lugar escolhido pelo governo britânico para situar um campo de prisioneiros que servisse para hospedar os inimigos capturados na I Guerra Mundial. O campo de Frongoch começou a receber prisioneiros alemães, mas em algum momento o Reino Unido decidiu evacuá-los a outra localização. Mais ou menos nesta altura do ano 1916 começaram a chegar prisioneiros irlandeses a Gales. A Revolta de Páscoa, ferozmente reprimida, trazia um numeroso contingente de novos prisioneiros de guerra, uma guerra inesperada, mas à que o Reino Unido reagiu como ante qualquer outra, com artilharia nas ruas de Dublin e execuções nos dias seguintes. Por Frongoch, pouco tempo depois, passaram centos de prisioneiros irlandeses, entre eles Michael Collins, uma das pessoas que, só cinco anos depois assinaria os tratados que reconheciam o Estado Livre da Irlanda. A estadia em Frongoch não foi longa e também não esteve falta de elementos positivos. A concentração serviu aos irlandeses para reorganizar-se e formar-se mutuamente. Anos depois refeririam ao campo como a Universidade da Revolução.

Bandeiras

Há umas semanas caminhamos até o lugar onde estava situado o campo para render homenagem aos lutadores da Irlanda. Os galeses guardam algo mais que uma memória internacionalista do feito histórico. Na sua versão dos feitos, os irlandeses não só aprenderam tácticas de luta em Frongoch, senão que também entraram em contacto com uma realidade que os impressionaría enormemente. Se o norte de Gales é, ainda hoje, uma das praças-fortes da língua galesa, em 1916 esta devia ser a principal, se não a única língua empregada pela população, especialmente numa zona afastada e rural como a dos arredores do campo. Os irlandeses deveram mirar admirados aquele povo que, sem fazer nenhum acto de rebelião activa, exercia porém uma resistência invisível em cada palavra que pronunciava. Palavras pronunciadas, ademais, num idioma aparentado com o próprio gaélico irlandês, uma língua com muito pouco valor social e que ocupava um lugar claramente secundário no movimento independentista da ilha. Parece ser que este contacto com uma realidade semelhante mas bem mais viçosa impactou profundamente aos líderes revolucionários, e há quem diz que foi a partir desta que começaram a reformular o papel da língua na luta de libertação. Há mesmo quem relaciona isto com a imediata cooficialidade do gaélico irlandês na Irlanda independente. A aprendizagem da língua galesa e o conhecimento doutro povo consciente da sua identidade formaram também parte da equipagem que os prisioneiros levaram do campo.

Frongoch-2016

No acto de Frongoch, que antecede outro mais grande que se fará em Junho, celebravam-se também estas pequenas resistências, estas comunicações entre diferentes modos de lutar e sobreviver. As bandeiras históricas irlandesas e galesas ondeavam juntas, e entre as pessoas assistentes, sem bandeiras, três pessoas da Galiza das que ao menos uma pensava nos cem anos que separavam também o seu país da criação das Irmandades da Fala. O começo de uma reivindicação linguística que acabou evoluindo à luta política e que manteve uma obsessão palpável com Irlanda, o desejo de um paralelismo que não vivia só na suposta conexão céltica da tradição, senão também na vontade de caminhar os mesmos passos. Em 1921, enquanto Irlanda preparava as negociações da sua convulsa liberdade, um dos membros das Irmandades, Ramón Cabanillas, chamava à ilha “irmanciña adourada” (irmãzinha adorada) nas páginas da nossa Terra. Se calhar a mais célebre, mas também a enésima evocação da Irlanda no principal meio das Irmandades, que sempre tomou o país como um referente privilegiado. As Irmandades foram assim a antessala do galeguismo político, as suas primeiras práticas, o início dum processo que culminaria com a fundação do Partido Galeguista. Os campos de prisioneiros que conhecemos os galegos tardaram, porém, vinte anos desde a chegada dos irlandeses a Frongoch. Neles não houve escola revolucionária, nem galeses nos arredores dando-nos apoio moral e confirmando-nos o sentido da nossa luta ou do valor político da língua. Também não antecederam nenhum éxito imediato, senão a longa noite do franquismo. E porém, também aprendemos neles, se calhar mesmo de forma mais perdurável, o valor da resistência e da dignidade.

Número da Revista Nós dedicado a Terence MacSwiney (1921)

Número da Revista Nós dedicado a Terence MacSwiney (1921)

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