Aeroporto Rosalia de Castro
Em Liverpool não há um Auditório John Lennon, mas sim há um aeroporto. No Rio de Janeiro um dos dois, o antigo Galeão, está dedicado Antônio Carlos Jobim, que o mencionava em Samba do Avião e que, segundo parece, tinha ademais medo a voar (o outro está dedicado ao pioneiro da aviação Santos-Dumont, para compensar). Os critérios que empregam os países para estas coisas são sempre ambíguos. Tenho a sensação de que a maioria das vezes é uma mistura de atração turística e de honra menor e que em muitas ocasiões põem-se nomes a aeroportos que nunca levariam outras coisas mais importantes. Outras vezes a política é não tocar os topónimos originais para não fazê-la pior. Seguramente a minha opção favorita.
Não me oponho, contudo, a que Rosalia de Castro dê nome ao aeroporto de Compostela, simplesmente pergunto-me se foi um movimento inteligente. O principal argumento que escuto diz que Rosalia vai dar as boas-vindas a milhares de visitantes de todo mundo. Na minha última visita a Edimburgo, chegando à estação de comboio de Waverley fui consciente pela primeira vez que estava nomeada em honra a um romance (e ciclo narrativo) de Walter Scott. As citas do autor, que tem na cidade o maior monumento nunca dedicado a um escritor, davam as boas-vindas a quem viajava sem que ninguém tivesse a ideia genial de marcá-lo num epónimo. Em certo sentido, a relação entre Edimburgo e o seu filho Walter Scott é tão intensa que certas coisas estão a mais. Será que Compostela fracassou à hora de marcar a sua relação com a poeta romântica até o ponto de ter que estampar o seu nome na porta de entrada?
Pessoalmente acho que há homenagens bem mais acertadas e que não precisariam da aprovação do Ministério espanhol de Fomento. Sem entrar nas múltiplas referências rosalianas que há na própria cidade, estou seguro que mesmo coisas como assegurar o emprego da língua galega por parte das companhias aéreas ou a disponibilidade de literatura na nossa língua na terminal estão bem mais no espírito de Rosalia que a simples adopção de um novo nome para Lavacolha. Também são bem mais difíceis e requerem de um trabalho constante, claro.
Uma segunda questão é em que medida a memória de Rosalia, sem nenhuma relação estreita com Lavacolha nem com a aviação, pode servir para ocultar outros elementos históricos.
Eu tinha uma proposta clara, sem nenhuma relação com Lavacolha: o único aviador galeguista que tivemos, Elixio Rodríguez, de quem o país galego precisaria uma pouca da sua sorte emprestada. Porém, fora da minha aposta pessoal, há outra ainda menos evidente que porém apela a uma relação íntima com o próprio aeroporto. Passaria por reivindicar o seu passado como campo de concentração franquista. Ainda que se fizeram homenagens, e há alguma placa, sempre longe da vista das passagens e do turismo, é preocupante que muita gente desconheça que o tal aeroporto foi construído com mão de obra escrava de prisioneiros da Guerra Civil Espanhola.
Suponho que um nome como Aeroporto Internacional Antifascistas de Lavacolha está fora do debate, reabre velhos ferimentos que uma autora, galega e espanhola como Rosalia está longe de poder tocar. Também ficaria mal à hora de comprar souvenirs em alguma das lojas, que seguro sairão ganhando ao representar a efígie da poeta. Ao fim de contas, mais que do seu legado ético e literário, este povo é herdeiro do vello costume de fazer de Rosalia uma feira.