02/05/2017 by marioregueira

Caetano, de novo na Galiza

Teresa Cristina e Carlinhos Sete Cordas representavam uma viagem ao passado. A história do samba pode percorrer-se quase sem equipagem, só com voz e guitarra, assim, ainda que deitemos em falta a intro original de Preciso me encontrar, Cartola e os seus letristas apareciam ressuscitados numa actuação com poucos artifícios. Tão singela que poderiam transferí-la a um bar, ainda que não podemos enganar-nos, seguramente a maior parte do público não responderia calidamente a um espectáculo que percebiam como um simples aperitivo.
Assim, se Cartola era uma parte da história da música popular brasileira, Caetano representava o seu ponto culminante, a sua continuação natural. E suspeito que o concerto foi programado seguindo esse mesmo princípio. Uma colecção de grandes sucessos que se moviam com fluidez entre as raízes da bossa, a renovação que supôs o tropicalismo e algumas (muito poucas) referências à carreira imediata do cantor. A última vez que vim a Caetano ao vivo foi há quase uma década no mesmo Palácio da Ópera da Corunha, num concerto dentro da gira do . Caetano fizera um disco de rock com quase sessenta e cinco anos, e aparecia vestindo jeans, saltando pelo palco e acompanhado de uma banda formada por pessoas novas. Conseguira fazê-lo mais uma vez, ser capaz de encarnar simultaneamente história e músculo impulsor da música brasileira. O Caetano do passado domingo estava já mais perto do João Gilberto que de qualquer coisa que tivesse algo a ver com o rock. Sentado com o violão durante a maior parte da actuação, Caetano poderia ter gravado um grandes sucessos ao vivo, algo mais que suficiente para a maior parte do público da Galiza. Seguramente éramos só uns poucos os que ficamos com vontade de ter, ademais, outra coisa, ainda que fosse escutar Um comunista na véspera imediata do primeiro de Maio.

Os idosos do lugar lembram sempre dum dos primeiros concertos de Caetano na Galiza, a finais dos anos oitenta. Parece que se dirigiu ao público consciente de que estava a tocar na terra na que nascera a língua portuguesa, uma língua que seguimos a falar com particularidades próprias e à que demos o revolucionário nome de galego. A consciência linguística de Caetano não é habitual nos artistas brasileiros, que tratam de expressar-se muitas vezes num portunhol que deixa surpreendido (ou irritado) a uma parte do público. Para alguém que disse que uma das coisas mais maravilhosas do Brasil era que falasse a língua portuguesa, é evidente que a maravilha continua no facto desta ter-se originado em boa parte dum território que não faz parte de Portugal. Assim, uma parte do público aguardava que aparecessem de novo essas velhas cumplicidades. “Sempre que venho a Corunha falo português porque sei que vocês percebem. E gosto muito de que seja assim”. Desta vez não houve alusões ao sotaque lindo da gente quando cantou com ele, como em Vigo no 2003, mas foi suficiente para lembrar que Caetano segue a ser uma das poucas pessoas com consciência cultural dos lugares nos que canta. Com virtudes e defeitos, seguimos a olhar para ele como quem olha para as maravilhas e os milagres.

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