17/02/2016 by marioregueira

The Danish Girl, uma história singela

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Não aguardava grande coisa de The Danish Girl, e finalmente confirmou-se como um filme decepcionante. Com algum aspecto brilhante e com uma perspectiva divulgadora que se calhar possa ser aprezada, mas com um torpe desenvolvimento da história original de Gerda Wegener e Lili Elbe. É certo que a história do casal está o suficientemente mergulhada em acasos e hipóteses que obrigam à qualquer adaptação a tomar uma série de decisões relevantes. Se calhar já estavam tomadas no romance de David Ebershoff na que se baseia o filme, mas resulta evidente que não foram boas decisões.

Em primeiro lugar, resulta absolutamente inexplicábel o ocultamento deliberado da identidade lésbica de Gerda Wegener, especialmente partindo da popularidade da sua arte erótica e tendo em conta que era um dos poucos dados objectivos com os que se podia contar para reconstruír algo semelhante a uma biografia do casal. A ausência deste feito não é casual, que Gerda fosse bisexual vinha dissipar o binarismo básico sobre o que pivota todo o filme. Também faria entrar em cena algo que faz parte de todos esses rumores e hipóteses: a possibilidade de que não só Gerda e Einer Wegener fossem um casal, senão que também o fossem Gerda e Lili Elbe. Uma simples hipótese, que porém explicaria por que esta protagonizou parte das suas obras eróticas. Naturalmente, introduzir algo como uma orientação sexual aparentemente contraditória com uma identidade transgénero determinada seria excessivo para um filme que procura um público de massas. A muitas pessoas explodir-lhes-ia a cabeça.

 

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Um segundo elemento hipotético que mudaria por completo a perspectiva do filme é a possibilidade de que Einar/Lili realmente não fosse transsexual, senão intersexual, algo que daria um significado diferente à sua operação, deixando de ser um caminho para encontrar-se a si própria para converter-se num trâmite para inserir-se numa determinada explicação do mundo. Esta perspectiva é outra das que são completamente eliminadas no filme.

Em realidade, The Danish Girl não se move nem um ápice dessa singela e supostamente evidente explicação do mundo. É certo que o filme apresenta uma perspectiva da transexualidade valiosa pelo seu carácter de divulgação e de representação, mas aparece como completamente incapaz de sair do cerco que constrói com a sua própria recreación ficticia. O mundo é explicado de forma singela, nele há homens e mulheres, nada mais, e a identidade de gênero é um elemento coherente com as inclinações sexuais. Nada do rupturista e problemático que há na história de Lili e Gerda aparece nem sequer evocado e até o drama da protagonista tem uma única direcção, a médio caminho entre o triunfo e o martírio. É certo que a comunidade trans precisava de uma história destas características, porém, não acho que escolher esta fosse uma decisão acertada. Lili e Gerda não viveram uma história binaria nem singela, as suas simples identidades foram subversivas nos começos dos anos vinte, parece que quase tanto como o seriam nos nossos dias. E essa potência para problematizar a realidade, para questioná-la e impugná-la é o seu melhor legado, um legado ao que algum dia haverá que fazer justiça com uma história que esteja à sua altura.

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